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As letras publicadas referem a fonte de extração, ou seja: nem sempre são mencionados os criadores dos temas aqui apresentados.
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Tenho vindo a publicar letras (de autores que já partiram) sem indicação de intérpretes ou compositores na esperança de obter informações detalhadas sobre os temas.
<> 7.740 LETRAS <> 3.780.000 VISITAS <> ABRIL DE 2025
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Espera de toiros

Mote: Carlos Conde / Glosa: Henrique Rego / Popular fado corrido
Repertório de Manuel de Almeida
Esta letra, com o título original *Tarde de toiros* sofreu algumas 
alterações na gravação e para além disso a 2a estrofe não foi gravada

Nesse domingo de agosto
Foi linda a espera de gado
Desde manhã ao sol posto
Houve alma, Toiros e Fado

Manhã cedo ainda se ouviam 
Os roucos cantos dos galos
Já dos fogosos cavalos 
As guizeiras retiniam;
Os retiros já se viam 
Engalanados com gosto
E o Sol, no seu régio posto
Brilhante como um tesoiro;
Abria o seu leque d’oiro
Nesse domingo de agosto

Campinos de matacões 
Gente nobre, gente fixe
P’la Calçada de Carriche
Eram alvo de ovações;
Sob os fortes aguilhões 
O curro vinha domado
E o povo, entusiasmado
Dizia, de orgulho cheio;
Para os anais do toureio
Foi linda a espera de gado


Já tudo sabia ao certo
Que nessa tarde, Fuentes
Lidava toiros valentes
Das lezírias de Roberto;
O Sol era um lírio aberto
No manto do céu exposto
E o povoléu, bem-disposto
Vira passar, em tipóias;
Mulheres lindas como jóias
Desde manhã ao sol posto

Campanudo e Patusquinho
No retiro do Vilar
Encontravam-se a cantar 
Desde manhã, bem cedinho;
Dos tonéis corria o vinho 
Espumante, avermelhado
Tudo estava inebriado 
Tudo vivia num sonho
Pois nesse dia risonho
Houve alma, Toiros e Fado

Silêncio

Letra de Jorge Rosa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Silêncio, cala-te vento
Não chores mais p’lo caminho
Consente que este lamento
Feito do meu sofrimento
Chore no mundo sozinho

Silêncio, cala-te mar
P’ra quê bater nesse jeito
Se não chegas p’ra abafar
As penas do meu penar
No marasmo do meu peito

Silêncio, chuva que é tanto
O pranto dos olhos meus
Que até mesmo quando canto
É maior todo o meu pranto
Que todo o pranto dos céus

Silêncio, que a tempestade
Que em meu peito se agitou
Tem mais força, mais vontade
Porque é feita da saudade
Que um grande amor me deixou

Fado Toninho

Letra e música de Pedro da Silva Martins
Repertório do grupo *Deolinda


Dizem que é mau, que faz e acontece
Arma confusão e o diabo a sete
Agarrem-me que eu vou-me a ele
Nem sei o que lhe faço
Desgrenho os cabelos
Esborrato os lábios

Se não me seguram, dou-lhe forte e feio
Beijinhos na boca, arrepios no peito
E pagas as favas, eu digo "enfim”
Ó meu rapazinho és fraco p’ra mim


De peito feito ele ginga o passo
Arregaça as mangas e escarra pró lado
Anda lá, ó meu cobardolas
Vem cá mano a mano
Eu faço e aconteço
Eu posso, eu mando

Se não me seguram, dou-lhe forte e feio
Beijinhos na boca, arrepios no peito
E pagas as favas, eu digo "enfim”
Ó meu rapazinho sou tão má p'ra ti


Ó meu rapazinho eu digo assim
Se não me seguram dou cabo de ti

Feitiços do fado

Carlos Baleia / Arménio de Melo
Repertório de Adriano Pina


Rua que é de não sei quem
Onde existe um pelourinho
E os passos que dou, se calam
Espaço meu e de ninguém
Esta rua onde caminho
Com silêncios que me falam

A luz baça dos recantos
Sabe histórias sem ter fim
Da rua misteriosa
E há suspeitas que num canto
Onde há bancos de jardim
A rua é mais carinhosa

Tudo pode acontecer
Nesta rua que os meus passos
Não se cansam de pisar
Pode-se amar e nascer
Num viver de estranhos laços
E fatalmente, cantar

Rua louca, doida rua
Vinda do tempo passado
Em transportes de ilusão
Em ti passo à luz da lua
Quando os feitiços do fado
Me falam ao coração

Vidas sem sentido

Fernanda do Carmo / Franklim Godinho *fado franklim*
Repertório de Artur Batalha


Se nasci sem ter idade
Recuso-me a ser quem sou
Pois só conheço a verdade
No ventre que me gerou

Meu nome nasceu na voz
Num grito bravio, oculto
Transformou-se num algoz
Que se encarnou no meu vulto

Sou estátua onde o escultor
Não pôs traços de beleza
Pedra bruta sem valor
Que a natureza despreza

Quem desconhece os dilemas
De quem vive sem sentido
Não pode entender poemas
Do autor desconhecido

Tempo

Fernando Pessoa / Tiago Machado
Repertório de Liana


A terra é sem vida, e nada
Vive mais que o coração
E envolve-te a terra fria
E a minha saudade não

Leve sombra, vais no chão
A passar sem teres ser
És como o meu coração
Que sente sem nada ter

Ó tempo, tu que nos trazes
Tudo o que na vida vem
Porque não vens a matar
Quem já nem saudades tem

Duas vezes jurei ser
O que não julgo que sou
Só para desconhecer
Que não sei por onde vou

Se morrendo eu acabar
E nada restar de mim
Não t' esqueças de lembrar
Que só te esqueci assim

Natal

Vasco Lima Couto / Júlio Proença *fado esmeraldinha*
Repertorio de Jorge Baptista da Silva


A casa era uma gruta iluminada
Que falava as palavras do momento
Era o tempo da lei que se encontrava
No respirar dum terno pensamento

Os pequenos pastores riam à vida
Correndo escadas que iam ter a um rio
Abrindo a voz à sede apetecida
Brincando fomes que não tinham frio

Os velhos regressavam do céu liso
E paravam na fonte da alegria
Com seus olhos de rugas de sorriso
Para que o sol amanhecesse o dia

Era tão longo o coração do espaço
Entre animais de Deus que o barro aquece
Que a fortuna do amor era um abraço
Por isso é que o Natal nos apetece

Até sempre

Letra de Manuel de Andrade
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível


Quando chegar a hora da partida
Ordenada por Deus omnipotente
Quando os anjos cantarem nova vida
O meu fado talvez seja diferente

E quando for a festa do meu dia
No mundo imaginário que sonhei
Quero beber o vinho d’alegria
E abraçar os amigos que encontrei

Suspenso no meu fado, nem reparo
No tempo de marcar a minha vez
Quero morder o pão que me foi raro
Nesta minha passagem com vocês

Pátria

Miguel Torga / Tiago Machado
Repertório de Liana


Foste um mundo no mundo e és agora
O resto que de ti 
Já não posso perder
A terra, o mar e o céu
Que todo eu sei conhecer

Foste um sonho redondo e és agora
Um palmo de amargura retornada
Amargura que em mim
Também nunca tem fim
Por ter sido comigo batizada

Hoje…
Sei apenas gostar
De uma nesga de terra
Debruada de mar


Foste um destino aberto e és agora 
Um destino fechado
Destino igual ao meu
Amortalhado nesta luz
De incerteza e de certeza
Que vem do sol presente e do passado

O barco vai de saída

Letra e música de Fausto Bordalo Dias
Repertório de Fausto


O barco vai de saída
Adeus ó cais de Alfama
Se agora vou de partida
Levo-te comigo ó cana verde
Lembra-te de mim ó meu amor
Lembra-te de mim nesta aventura
P’ra lá da loucura
P’ra lá do equador

Ah! mas que ingrata ventura
Bem me posso queixar
Da pátria a pouca fartura
Cheia de mágoas. ai quebra mar
Com tantos perigos. ai minha vida
Tantos medos e sobressaltos
Que eu já vou aos saltos
Que eu vou de fugida

Sem contar essa história escondida
Por servir de criado a essa senhora
Serviu-se ela também tão sedutora
Foi pecado, foi pecado
E foi pecado sim senhor
Que vida boa era a de Lisboa

Gingão de roda batida
Corsário sem cruzado
Ao som do baile mandado
Em terras de pimenta e maravilha
Com sonhos de prata e fantasia
Com sonhos da cor do arco-íris
Desvairas se os vires
Desvairas magia

Já tenho a vela enfunada
Marrano sem vergonha
Judeu sem coisa, sem fronha
Vou de viagem, ai que largada
Só vejo cores, ai que alegria
Só vejo piratas e tesouros
São pratas são ouros
São noites são dias

Vou no espantoso trono das águas
Vou no tremendo assopro dos ventos
Vou por cima dos meus pensamentos
Arrepia, arrepia
E arrepia sim senhor
Que vida boa era a de Lisboa

O mar das águas ardendo
O delírio dos céus
A fúria do barlavento
Arreia a vela e vai marujo ao leme
Vira o barco e cai marujo ao mar
Vira o barco na curva da morte
Olha a minha sorte
Olha o meu azar

E depois do barco virado
Grandes urros e gritos
Na salvação dos aflitos
Esfola, mata, agarra, ai quem me ajuda
Reza, implora, escapa, ai que pagode
Reza tremem heróis e eunucos
São mouros são turcos
São mouros acode

Aquilo é uma tempestade medonha
Aquilo vai para lá do que é eterno
Aquilo era o retrato do inferno
Vai ao fundo, vai ao fundo
E vai ao fundo sim senhor
Que vida boa era a de Lisboa

Desejos

Letra de Jorge Rosa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Sempre que alcachofras queimo
Na noite de S. João
No mesmo desejo teimo
Voltar ao teu coração

E sempre que um malmequer
Desfolho em tua intenção
Desejo que um bem-me-quer
Me saia na solução

Sempre que o dia termina
Quando a noite se avizinha
Um desejo me domina
Que voltes de manhãzinha

Perto

Letra e música de Afonso Cabral
Repertório de Cristina Branco


Vi uma voz tão magra e seca
Um tom veloz, eternamente teu
Ouvi as tuas mãos pousadas na mesa
Um silêncio que solta "eu estou tão bem aqui"

Já nem preciso estar
Tão perto assim para te ver
Toquei no teu olhar
Sempre a espreitar o tormento
Pesado e invulgar

Tão cauteloso e ternurento
Provei as tuas palavras
Indecisas, noite fora
Já nem preciso estar
Tão perto assim para te ver

Ode às canções tristes

Carlos Baleia / Arménio de Melo
Repertório de Jorge Batista da Silva


Não sei se era jazz ou fado o que se ouvia
Nos sons que chegavam das noites friorentas
E se viriam da Bronx, Queens ou Mouraria
Em desassossegos de alma, tão pungentes

Não vi em redor latões com fogo ardendo
Consolando na noite a gente enregelada
Nem sombras que se fossem escondendo
Tão só vozes de fado ou jazz, a vir do nada

Porque cantam de tristeza os infelizes
Transformando fealdade em coisa linda
Pondo na sua dor doces matizes
E dando à alma uma ternura infinda?

Um som de jazz, em revolta, sufocado
Com notas de sofrimento ou ilusão
Vem irmanar-se a um estilar de fado
Em ladainhas da sua condição

Nítido, chega o fado/jazz de algodão
Do escravo, marinheiro, carregador
Cujas vozes de perto conhecem a paixão
E nela cantam seus segredos de amor

Mistérios musicais na noite desvendados
Solitárias dores de uma humanidade
Em nostálgicas notas, acordes magoados
Assim servidos numa taça de saudade

Tempos idos

Mote de J. Guimarães / Glosa de Henrique Rego
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Quando uma guitarra harpeja
O fado – canção dolente
Sentimos o quer que seja
A chorar dentro da gente


Entre a guitarra e o passado 
Há tão grande afinidade
Que me parece a saudade
Ser irmã gémea do Fado;
Meu pensamento enlevado 
Num anseio que brotoeja
De alma triste que voeja 
Mais subtil que a fragrância;
Rompe as brumas da distância
Quando uma guitarra harpeja

Então, distante, esquecido
De mim próprio, do meu ser
Eis-me de novo a viver
Tudo o que tenho vivido;
E no brilho amortecido 
Do meu olhar que foi quente
Persuasivo, eloquente 
Arde esse antigo fulgor
Se alguém canta com amor
O fado – canção dolente

Recordar com devoção 
Um pretérito bendito
É conter o infinito 
No espaço dum coração;
Quando a eterna evocação 
Dum bem perdido se almeja
A alma risonha lampeja 
E num pulsar contrafeito
A bater dentro do peito
Sentimos o quer que seja

Manuel da Mota, Serrano
António Rosa, Ginguinha
Não pode a vida mesquinha 
Olvidar seu estro ufano;
O Fado é triste, é humano 
Evocativo, fremente
Por andarem tristemente 
Saudosas, meigas, discretas;
As almas desses poetas
A chorar dentro da gente

Vejam bem

Letra e música de José Afonso
Repertório do autor

Vejam bem
Que não há só gaivotas em terra
Quando um homem se põe a pensar
Quando um homem se põe a pensar
Quem lá vem
Dorme à noite ao relento na areia
Dorme à noite ao relento no mar
Dorme à noite ao relento no mar

E se houver
Uma praça de gente ma dura
E uma estátua
E uma estátua de febre a arder
Anda alguém
Pela noite de breu à procura
E não há quem lhe queira valer

Vejam bem
Daquele homem, a fraca figura
Desbravando os caminhos do pão
Desbravando os caminhos do pão
E se houver
Uma praça de gente madura
Ninguém vai levantá-lo do chão
Ninguém vai levantá-lo do chão

Fado do beijo

Hugo Costa / Viviane e Tó Viegas
Repertório de Viviane


Beija, mas sem me aleijar
Um beijo na cara deixa a desejar
Beijo que é beijo é como o desejo
Sonhar com um beijo e não acordar

Beija sem perdoar
À beira do Tejo
À porta de um bar
Porque te queixas
Dos beijos que beijas
E eu só te vejo
Beijar e beijar


Beija… é sem compromisso
Se os outros falarem não ligues a isso
Ai como eu desejo, chegado o ensejo
Prender-te num beijo e não te largar

Namoro

Viriato da Cruz / Fausto Bordalo Dias
Repertório de Fausto


Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
E com letra bonita eu disse que ela tinha
Um sorrir luminoso tão quente e gaiato
Como o sol de novembro brincando de artista
Nas acácias floridas
Espalhando diamantes na fímbria do mar
E dando calor ao sumo das mangas

Sua pele macia era sumaúma
Sua pele macia da cor do jambo
Cheirando a rosas, sua pele macia
Guardava as doçuras do corpo rijo
Tão rijo e tão doce como um maboque
Seus seios laranjas, laranjas do Loge
Seus dentes marfim
Mandei-lhe essa carta e ela disse que não

Mandei-lhe um cartão 
Que o amigo maninho tipografou;
Por ti sofre o meu coração
Num canto 'sim', noutro canto 'não'
E ela o canto do 'não', dobrou

Mandei-lhe um recado pela Zefa do sete
Pedindo e rogando de joelhos no chão
P’la Sra. do Cabo, p’la Sta Efigénia
Me desse a ventura do seu namoro
E ela disse que não

Mandei a avó Xica, quimbanda de fama
A areia da marca que o seu pé deixou
Para que fizesse um feitiço forte e seguro
Que nela nascesse um amor como o meu
E o feitiço falhou

Esperei-a de tarde à porta da fábrica
Ofertei-lhe um colar, e um anel e um broche
Paguei-lhe doces na Calçada da Missão
Ficámos num banco do Largo da Estátua
Afaguei-lhe as mãos, falei-lhe de amor
E ela disse que não

Andei barbado, sujo e descalço
Como um monangamba, procuraram por mim
não viu, ai não viu, não viu Benjamim
E perdido me deram no Morro da Samba

Para me distrair levaram-me ao baile
Do Sô. Januário, mas ela lá estava
Num canto a rir, contando o meu caso
Às moças mais lindas do Bairro Operário

Tocaram uma rumba e dancei com ela
E num passo maluco voamos na sala
Qual uma estrela riscando o céu
e a malta gritou 'Aí Benjamim'

Olhei-a nos olhos, sorriu para mim
Pedi-lhe um beijo, lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá
E ela disse que sim

Tenho olhos de saudade

Carlos Baleia / Arménio de Melo
Repertório de Margarida Soeiro


Tenho choro em minha alma
Algo que não sei explicar
Suave dor, doce e calma
Com vontade de cantar
Tenho olhos de saudade
Que me obrigam a amar

Tenho as palavras sofridas
De coisas que não entendo
E horas nunca esquecidas
Nas ilusões que vou tendo
Tenho olhos de saudade
No fado que vou vivendo

Tenho Tejo, céu e mar
Uma cidade encantada
Tenho alma para chorar
Não preciso de mais nada
Tenho olhos de saudade
Numa guitarra abraçada

Tenho um falar especial
Partilhado, vagabundo
Que não sendo nunca igual
É português bem profundo
Tenho olhos de saudade
E um fado maior que o mundo

Coração peregrino

*Manhã fria*
Letra de Jorge Rosa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Manhã fria, nevoeiro
Abandono, solidão
Donde vens tu caminheiro?
P’ra onde vais coração?

Neste sombrio caminho
Andas perdido decerto
Tão distante do carinho
E da desgraça tão perto

Eu não sei o que procuras
Mas não te invejo a jornada
Andar na vida às escuras
É andar buscando o nada

Se é o amor que te faz
Solitário peregrino
Caminha porque és capaz 
De chegar ao teu destino

Na língua de Camões

Tiago Torres da Silva / Dulce Pontes
Repertório de Dulce Pontes


Não te posso amar
Sem te perguntar se já foste rio
Se és irmão das areias e das conchas
E dos peixes e do mar
Sou irmã do vento
O meu pensamento só se faz canção
Ao sentir-se irmão do que quer cantar

Ao olhar p’ra ti
Sei que te escolhi porque foste rio
Dei as mãos aos abraços e a boca
Aos beijos que eu ousei sonhar
Sou irmã de tudo, amor
O meu canto é mudo, amor
Se eu não conseguir
Chorar e sorrir sempre que cantar

Mas eis que o coração se torna transparente
Eis que o coração
Abriga os temporais que nascem no mar
E tudo é ser capaz de traduzir
Na língua das canções
Na minha voz, na tua voz
O som da água a passar

Fogaça, senhora minha

António Laranjeira/José Marques *fado triplicado*
Repertório de Lino Lobão


Foi no castelo da feira
Que uma linda fogaceira
Conheceu um trovador
Com profunda devoção
Fez a São Sebastião
Prometer o seu amor

Levando no seu regaço
Rosas vermelhas do paço
Vai ao palácio real
Fez bandeiras de papel
Rosas de Santa Isabel
Rainha de Portugal

Terras de Santa Maria
Condado da feira um dia
Aclama o voto sagrado
A fogaça pão de amor
Na mesa do lavrador
Tem por Deus o seu reinado

Fogaça, senhora minha
Em janeiro és rainha
Do teu povo trovador
Por decreto ou tradição
Vai o reino em procissão
Celebrar o teu sabor

Quadras do desdém

*do desprezo, da ironia*
Autor: Silva Tavares
Do livro Quem Canta, 1923
Versos transcritos do livro editado pela 
Academia da Guitarra e do Fado

Se é certo estar-te doendo
O coração, sinto bem
Que já se viva sofrendo
Daquilo que se não tem

D’andar contigo um mês todo
Pasmam pessoas amigas
Mas quem se atasca no lodo
Não sai com duas cantigas

Agora já não há meio
De reviver nosso amor
De graça, seria feio
Pagando, tenho melhor

Qu’importa que tu agora
Tenhas outro em meu lugar?
Aquilo que deito fora
Qualquer pode arrecadar

Já chorou por não ter cama
Tem carruagem, já ri
Ri, mas salpica de lama
Quem passa junto de si

Estava-te o padre casando
Disse alguém, nesse momento
Vão do batismo tratando
Deixem lá o casamento

Diga o mundo o que quiser
Mas, quer em casa ou nas ruas
Melhor do que uma mulher
Não há nada, como duas

Atrás dos meus cortinados

João Monge / João Gil
Repertório de Hélder Moutinho


Atrás dos meus cortinados
Estamos os dois condenados
Um ao outro a horas mortas
Se é a Deus que isto se deve
Ele lá sabe o que escreve
Direito por linhas tortas

Falam de nós, eu bem sei
Deste amor fora da lei
Sem destino nem altar
Somos a rosa colhida
No lado escuro da vida
Que só se dá ao luar

Não te sintas obrigado
A prometer que a meu lado
Nunca mais te vais embora
Atrás dos meus cortinados
Estamos os dois obrigados
A ser imortais agora

Falei-te longamente

Carlos Baleia / Arménio de Melo *fado graça*
Repertório de Jorge Batista da Silva


Falei-te longamente, sem palavras
No olhar aflito, preso ao teu olhar
E as minhas ilusões morreram escravas
Do teu adeus que não pude evitar

Explodiu em revolta a Natureza
Na raiva da partida injusta e má
Tempestade de dor e da certeza
De que posso morrer, ficando cá

Não sei se teu partir tem outras terras
Ou se partindo, ficas, indiferente
Sei que no peito sofro duras guerras
Que em mim querem viver eternamente

Digo hoje as palavras que calei:
Grito-as ao mar, ao vento e a quem passa,
Para que o mundo saiba como amei
E como quem amei, me deu desgraça

Disse-te adeus sem saber

Letra de Silva Tavares
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Disse-te adeus, sem saber
Aquilo que sei agora:
Adeus não custa a dizer
O que custa é ir embora


Aquele adeus que eu te disse
Se pudesse desdizê-lo
Talvez nunca o repetisse
Ai! meu amor, podes crê-lo;
Foi preciso que fugisse
De ao pé de ti, a correr
Não sabia o que fazer
Nem sabia, meu encanto;
Que um adeus custava tanto
Disse-te adeus, sem saber

Desde então, eu, orgulhoso
Tu – orgulhosa como eu
Vivemos fora do céu
Do nosso sonho amoroso;
Num inferno pavoroso
Tombámos naquela hora
Só ciúme me devora
Só sinto torva agonia;
Por não saber, nesse dia
Aquilo que sei agora

Sei, embora tal não digas
Que vives contrariada
Que casaste despeitada
Que sabes que me castigas;
Sei que a dor a que me obrigas
Te faz também padecer
Que não consigo esconder
Que sou servo dos teus servos;
Tudo isto porque, com nervos
Adeus não custa a dizer

O que custa, se te vejo
E calar meu sofrimento
É fingir contentamento
É disfarçar o desejo;
O que custa, pois invejo
Aquele que hoje te adora
É ver-te andar, cá por fora;
Sorrindo, d’olhos em brasa
E, depois que entras em casa
O que custa é ir embora

Um velho fado, encontrei

Carlos Baleia / Arménio de Melo *fado baleia*
Repertório de Adriano Pina


O meu fado anda sem sono
Preso na sombra que passa
Sombra ligeira e sem dono
Como ele ao abandono
Pelas ruas que tem a Graça

E ao caminhar pelas calçadas
Sabe Deus atrás de quem
Meu fado sobe as escadas
Onde ficaram gravadas
As sombras que a vida tem

Quando, já na Mouraria,
Em passos andou perdido
Pela rua estreita e sombria
Viu que outro fado vivia
Longe de tudo, escondido

Era um fado de Malhoa
Quadro ou fantasma acordado
Que ali ou na Madragoa
Ao cantar, era a Lisboa
Ciosa do seu passado

E esse canto que eu ouvi
Nessas sombras da cidade
Deu-me, Lisboa, de ti
Recados que deixo aqui
De um fado com outra idade

Desenhei-te na memória

Vasco Lima Couto / Alfredo Duarte *fado pájem*
Repertório de Jorge Baptista da Silva

Desenhei-te na memória
Que tanta vida me esconde
Afirmaram que existias
Sei que existes, não sei onde

Na minha voz há uma lenda
Que não pertence a ninguém
E no coração um sol
Que não aquece o que tem

Não me digas ao deixar-me
Que me deixas, meu amor
Diz que me levas nos olhos
Com a sombra duma flor

O teu rosto é como a noite
Que envolve o cair do dia
Fecha todos os jardins
E abre a minha fantasia

Foi hoje

Letra de Jorge Rosa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Perguntei hoje à saudade
Se era por ti que chorava
Disse que não e que andava
Comigo contra vontade

Perguntei aos olhos meus
Se dos teus se recordavam
Vi bem que não se lembravam
Dizendo: valha-te Deus

Aos meus braços e abraços
P’los teus braços perguntei
Ambos disseram: não sei
Desprendidos desses laços

Por isso hoje decidi
Mandar a saudade embora
Foi hoje e a partir d’agora
Já não me lembro de ti

Tenho a alma cheia de mar

Carlos Baleia / Arménio de Melo *fado invicto*
Repertório de Nadine Brás


Tenho a alma cheia de mar
Com ondas de perdição
Coração a transbordar
Em marés de uma paixão
Tenho vaivéns de ternura
Com medos de naufragar
A viver numa aventura
Com alma cheia de mar

Tenho ondas á cintura
Presas por algas marinhas
E uma rota de procura
Das emoções que eram minhas
Tenho cantos de atracão
Sem apelos à doçura
Onde um mar em turbilhão
Me pôs ondas à cintura

Tenho um amor à deriva
Pronto a bater nas rochas
Numa traineira furtiva
Onde falta a luz das tochas
Tenho a certeza banal
A rezar para que viva
E escape do temporal
Este amor que anda à deriva

Noite, onde vais cheia de pressa?

Kalaf Epalanga / Mário Laginha
Repertório de Cristina Branco

Noite, onde vais cheia de pressa?
Não, não me saias daqui sem mim
O sol, ainda é a esfera de espelhos
E dançar fica-nos tão bem

O escuro, o vestido, o cálice
E uma mão de homem
A folha caída no meu dorso
E que navega às cegas

Meus olhos não pedem nada
Minha boca... esta sim
Quero que me mintas
Com esta alvura com que sorris

E se eu me chamasse rua
Seria uma rima toante
Seria hoje uma saudade
Que se esqueceu no cais

Num beijo disse-te adeus

Letra de Jorge Rosa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Num beijo disse-te adeus
E nesse beijo, meu Deus
Disse adeus à minha vida
Se vivo, não o desejo
Desde a hora desse beijo
Que foi nossa despedida

Num beijo, um beijo terno
Troquei o céu p’lo inferno
Fiz de mim sombra do que era
Quem diria, quem diria
Que um beijo trocaria
Por Inverno a Primavera

Num beijo, num beijo apenas
Parei as horas serenas
Da minha felicidade
Numa agonia constante
É que vivo desde o instante
Que abri meu peito à saudade

Andam palavras fugindo

Carlos Baleia / Arménio de Melo
Repertório de Nadine Brás


Andam palavras fugindo
Com medo do que adivinham
E na fuga vão sentindo
Que a morte de um sonho lindo
São penas que se avizinham

Palavras que em vendaval
A cavalgar sentimentos
Numa corrida infernal
Sem começo nem final
São donas dos meus tormentos

Tão longe de mim andaram
Tão distantes da razão
Que sem palavras ficaram
Meus lábios, que assim deixaram
Fugir teus beijos de então

Secou a flor que era tua
Deste-me cardos para a vida
E as palavras vão pela rua
Falam de ti com a lua
Na noite triste e comprida

Outros amores

Tiago Torres da Silva / José Geadas
Repertório de José Geadas


Não penses
Por chegar de madrugada
Que trago a alma pesada
D′algum beijo dado à pressa
Não penses
Por já ser assim tão tarde
Que no meu coração arde
Outro amor por quem te esqueça

A vida não me deu outros amores
Mas deu-me por missão gostar de ti
A vida é um palco sem atores
A nossa, fui eu mesmo que a escrevi

Tenho uma amante que diz
Que num instante é feliz
No outro tem o coração quase desfeito
Tenho uma amante, que enfim
Já é bastante pra mim
É a guitarra que trago encostada ao peito


Não penses
Que me sinto apaixonado
Meu amor, venho do fado
Só o fado te faz frente
Não penses
Que me posso deixar disto
Eu, sem fado não existo
Nem sequer chego a ser gente

O fado não me deu alternativa
Por mais anos que viva, ele e eu
O fado é o ar que aqui respiro
No último suspiro serei seu

Rosa aberta sobre o mar

Vasco Lima Couto / Júlio Proença *fado puxavante*
Repertório de Jorge Batista da Silva


Rosa aberta sobre o mar
Que se espelha no teu rosto
Caminhos de namorar
Até ao fim do desgosto

Àquele jardim me prendes
Como cântaro ao luar
E és, no sonho que me vendes
Rosa aberta sobre o mar

É esse novo canteiro
Da cidade de que gosto
E a voz do cancioneiro
Que se espelha no teu rosto

Eu só te posso entender
E só te posso encontrar
Se dermos às mãos de ver
Caminhos de namorar

E até ao fim do desgosto
De nada te poder dar
Amo a sombra do teu rosto
Rosa aberta sobre o mar

Tempos de infância

Mote popular / Glosa de Henrique Rego
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Que bom é ser pequenino
Ter pai, ter mãe, ter avós
Ter esperança no destino
E ter quem goste de nós


Meu rico tempo de infância
Decorreu, por sorte minha
Como voar d’andorinha
Que se perde na distância;
Foi lindo, teve a fragrância
E o encanto peregrino
Dum arrebol matutino
Prenúncio dum sol risonho;
Para vivermos num sonho
Que bom é ser pequenino

Tempo amorável e doce
Que passei, alegremente
No regaço brando e quente
De quem no ventre me trouxe;
P’la idade…ou p’lo que fosse
Sentia o tempo veloz
Traquinava e via, após
Inocentes diabruras;
Ser a maior das venturas
Ter pai, ter mãe, ter avós

Cresci, e o meu coração
Botão de rosa em frescor
Foi pelas garras do amor
Desfolhada ’inda em botão;
Esfacelada essa ilusão
Arquitectada em menino
Confesso: perdi o tino
Ensandeci, pouco a pouco;
E não pode um triste louco
Ter esp’rança no destino

A Esp’rança!... palavra vã
Que em muita ideia divaga
Foi p’ra mim luz que se apaga
Ao despertar da manhã;
Numa alegria pagã
P’ra alindar a vida atroz
Há quem alevante a voz
P’ra dizer que o maior bem;
É na vida amar alguém
E ter quem goste de nós

Porto na memória

Letra e música de Lino Lobão
Repertório do autor


Num amplo casario adormecido
No por-do-sol que brilha junto à foz
O Porto canta alegre envaidecido
A história que pertence a todos nós

Relembra outros tempos com saudade
P'las ruas e ruelas tão velhinhas
P'la Sé, pela Ribeira ou na Trindade
Canta-se o fado, comem-se as iscas quentinhas

Vou até ao Cubo
Virado para o rio
Olho a outra margem 
Como está bonita agora
E fico eternamente 
Com o Porto na memória;
Saltam os miúdos 
Da ponte para o rio
Do Duque da Ribeira 
Ainda reza a história
E o Porto tão velhinho 
Vai ficando na memória

Com euforia o povo sai para a rua
É festa popular é o S. João
Sardinhas, caldo verde com fartura
Cantam-se marchas lança-se o balão

Tão nobre é este povo da cidade
Que do trabalho tira o seu viver
Vencida põe o fim à mocidade
Que é tradição trabalhar até morrer

Obrigado, mulher

Vasco Lima Couto / Alfredo Duarte *fado cuf*
Repertório de Jorge Baptista da Silva


Obrigado, mulher porque gritaste
Aquela madrugada que foi tua
E sem saberes porquê, tu agarraste
A certeza do amor que te viu nua

Obrigado, mulher porque seguiste
Esse crescer de flor que era um recado
E ensinaste a pureza que tu viste
Sem entenderes que um deus estava a teu lado

Obrigado, mulher pela alegria
De ouvires falar o que de ti nasceu
Olhando a rua que lhe deste um dia
Com todo o sonho que ninguém te deu

E obrigado, mulher que eu não conheço
Por seres o peito desta minha chama
Por seres essa distância que eu mereço
E se deita, a sorrir, na minha cama

Eu

Letra e música de Luís Figueiredo
Repertório de Cristina Branco

Eu, que mudei de casa
Eu, que sarei a asa
Eu, que fiz tudo para esquecer
Mas eu já não sei viver

Eu, que cortei cabelos
Eu, que desfiz novelos
Eu, que dei tudo para avançar
Mas eu já não sei andar

Eu, que senti que vibrei quando vi
Que podia existir alguém assim
Eu, que chorei, que sofri, que tentei
Amarrar-te ao que há de triste em mim

Eu, que troquei de carro
Eu, que limpei o sarro
Eu, que tentei o corpo erguer
Mas já não consigo ser

Eu, que esfreguei paredes
Eu, que rasguei as redes
que me prendiam ao teu chão
E eu nunca soube a razão

Eu, que vivi, que sonhei, pressenti
A ternura de te ter até ao fim
Eu, que chorei, que sofri, que tentei
Amarrar-te ao que há de triste em mim

Eu vou voltar a erguer-me
Eu vou dizer ao mar
Que eu sou mais forte do que ele
Sou mais forte do que eu

Avezinhas felizes

José Fernandes Castro e Lino Lobão / João Martins
Repertório de Lino Lobão
3 primeiras estrofes de J.F.Castro / 4ª estrofe de L. Lobão


Eram duas avezinhas
Cada qual com o seu ninho
Onde a rotina morava
Mas apesar de sózinhas
Não lhes faltava o carinho
Que a natureza lhes dava

Ambas tinham à mercê
A liberdade bastante
Para viverem felizes
Só não tinham, bem se vê
Um amor puro, constante
Para criarem raízes

Porém, num bendito dia
Cruzaram-se no caminho
Que o céu da vida mostrou
E assim nasceu, por magia
O símbolo do carinho
Com que a paixão as brindou

Como essas avezinhas
Há quem escreva na vida
Uns lindos versos de amor
Mas quando sozinhas
Choram a vida perdida
Cantando trovas de dor

Gota de água

Popular
Repertório de António Zambujo


Fui à fonte beber água
Achei um raminho verde
Quem o perdeu tinha amores
Quem o achou tinha sede

Dá-me uma gotinha d’água
Dessa que eu oiço correr
Entre pedras e pedrinhas
Alguma gota há-de haver


Alguma gota há-de haver
Quero molhar a garganta
Quero cantar como a rola
Como a rola ninguém canta

Debaixo da oliveira
Não se pode namorar
Porque a folha miudinha
Não deixa passar o ar

A lenda do velho Porto

Carlos Bessa / Pedro Rodrigues
Repertório de Lino Lobão


Cai um forte nevoeiro
Sobre esta linda cidade
Que deu nome a Portugal
Parece que o céu inteiro
Quer esconder a verdade
Da história medieval

Diz a lenda, que um dia
El-rei D, Pedro, à toa
Anunciou o noivado
Sem saber o que dizia
Quis que o Porto e Lisboa 
Casassem no seu reinado

Num cortejo imponente
O Rio Douro, subiram
Barcos do país inteiro
Foi então que de repente
As portas do céu se abriram
Caiu forte nevoeiro

O Porto desapareceu
E El-rei viu-se obrigado
A anular o casamento
Lisboa se entristeceu
Por romperem seu noivado
Deu entrada num convento

O Porto ficou solteiro
Amante da liberdade
Deixai-o ser, não faz mal
Deu-lhe Deus o nevoeiro
Encanto desta cidade
Que deu nome a Portugal

Asas cortadas

Carlos Baleia / Arménio de Melo
Repertório de Margarida Soeiro


De asas cortadas voando
Não me afasto deste cais
De barcos, saudade e mar
E quase presa ficando
Meus dias tornam-se iguais
Aos dias que hão-de chegar

Da doce esperança sonhada
Só o teu olhar ficou
Com sinais de negação
E às mãos cheias de nada
Só a incerteza chegou
Para morar no coração

E assim vivo sem mudança
Em tua teia envolvida
Nos dias que passam lentos
Na longa espera que cansa
Onde a paixão mal nascida
Ganha um voar de tormentos

Casa

Kalaf Epalanga / Toty Sa’med
Repertório de Cristina Branco


Uma cama num quarto, numa rua vazia
Da janela a ponte de um rio ao longe
Uma cidade dorme
Na sua quietude um espelho
Meus sulcos, meus cabelos
O meu nome

E quantas vidas cabem numa voz?
Se quando me dou é p’ra abreviar
O imenso que habita em mim
Quantas vidas cabem numa voz?


Sei sem dizer adeus voltei sem ruido
O gato, o quadro, as flores, o cheiro, a casa
E p’ra não acordar
A saudade de quem espera
Trago o sorriso
E os meus pés descalços

Minha Lisboa

Carlos Baleia / Arménio de Melo
Repertório de Jorge Batista da Silva


É uma Lisboa de cores a que se ama
Nos pátios escondidos, ruas ou vielas
Entre telhados que nela descem desde Alfama
E águas do Tejo, onde moraram caravelas;
Azuis de céu e rio em claro contraluz
Tons de ocres, rosa e verdes esbatidos
Qual caleidoscópio que dança, que seduz
E que se infiltra docemente nos sentidos

Quantas histórias de ti, não tenho eu guardadas
De quantas outras nem sequer suspeitarei
E se as tuas cores estão ao mundo escancaradas
Mistérios em ti há, que nunca saberei:
Segredos tantos que o tempo acumulou
Em que amores e traições se foram calcinando
Num caldo de encanto que sempre se apurou
Em tonalidades que o tempo foi dourando

Lisboa, mal de amores, uma terna saudade
Uma aventura em descoberta permanente
Um discurso com sabor a eternidade
Numa mistura de culturas que se sente;
No abraço que se dá ao tudo que a rodeia
Assim se saboreia o muito que não vemos
Uma cidade que invade a nossa ideia
Colorida paixão de um Fado que nós temos

Quiseste que eu fosse louco

Mote de Henrique Rego / Glosa de Jorge Rosa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Quiseste que fosse louco
P’ra que te amasse melhor
Mas amaste-me tão pouco
Que eu fiquei louco de amor


Aos teus encantos rendido
Andei por ti meio tonto
Sem nunca alcançar o ponto
P’lo teu querer apetecido;
Vivia sim convencido
De te adorar com fervor
Milhentas provas de amor
Que te dei, achaste pouco;
Quiseste que fosse louco
P’ra que te amasse melhor


Perdi de todo a noção
E aos teus caprichos cedendo
Pouco a pouco enlouquecendo
Perdi por ti a razão;
E em desmedida paixão
Doida paixão, sem valor
Tão doida como supor
Que ao meu amor desses troco;
Mas amaste-me tão pouco
Que eu fiquei louco de amor

Duas preces

José Guimarães / Armandinho *fado alexandrino antigo*
Repertório de Tony Rocha


Passei naquela igreja, entrei para rezar
P'ra que o céu me proteja e me guie no bem
Em silêncio segui até junto ao altar
De joelhos pedi aos pés da Virgem Mãe

Ali ajoelhado, então eu reparei
Em alguém que a meu lado em voz alta rezava
Não estava mais ninguém e sem querer escutei
Era uma pobre mãe que à Virgem implorava

Aqui a vossos pés, senhora minha Mãe
Eu peço que lhe dês a esperança de voltar
Guiai-o por bom trilho, vós que sois mãe também
Velai pelo meu filho nas terras de além-mar

Nas faces já sem cor dessa pobre mulher
Vi lágrimas de dor por elas deslizar
E o seu olhar sem brilho pedia com querer
Que o rosto de seu filho possa outra vez beijar

Minh'alma ficou presa àquele olhar magoado
E tive uma tristeza ao vê-la assim chorar
Cheguei p'ra junto dela, ajoelhei ao lado
E ao céu pedi com ela p’ra seu filho voltar

Segredos de mim

Carlos Baleia / Arménio de Melo
Repertório de Adriano Pina


Os segredos que digo
Os segredos que calo
Uns que ficam comigo
E uns que partem se eu falo
Corro atrás dos segredos
Que voam sem eu querer
E em altos arvoredos
Se dão a conhecer

Os segredos de mim
A caminho do mar
São segredos sem fim
Que não posso agarrar
Idos do coração
Meus segredos de amores
Perdendo a direção
São loucos voadores

Caniçais tagarelas
Aos segredos contados
Vão abrindo janelas
Dos lamentos guardados
E minha alma reclama
Da longa viagem
Dos segredos que chama
E já são miragem

E ao ficarem perdidos
A viver sem morada
Soltam gritos sofridos
Á luz da madrugada
Segredos libertados
Que os lábios soltaram
E agora são os fados
Que, tão tristes, chegaram

Eu por engomar

André Henriques / Filho da Mãe *Rui Carvalho*
Repertório de Cristina Branco


O inverno no joelho quando dobra
Estremece e anuncia
Esta chuva que me acorda
Novas manhãs, rugas e cãs
Eu por engomar

O tempo dá
O tempo tira
O tempo cobra


A cadeira quase me devora
O teu cheiro no armário

Ainda não se foi embora
Onã, bon vivant
A paixão, de tão vã
Só veio assombrar
Novas manhãs
Trincámos maçãs
E a serpente a olhar

E a falta que me fazes
No meio deste vendaval
Eu só quero que me prendas
Como mola no sisal

Recordações

Letra de Jorge Rosa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


No silêncio do meu peito
Guardei as recordações
Do nosso amor todo feito
De promessas e ilusões
Quando os nossos corações
Batiam do mesmo jeito

Colorida Primavera
Maré calma de bonança
Voltar atrás, à quimera
Sonhar de novo, ter esperança
Sentir fé e confiança
No amanhã, quem me dera

Sol a pino, quente Agosto
Amor ao rubro, escaldante
Um riso em cada desgosto
Em cada pranto um descante
Ai tão longe, tão distante
Todo o riso, todo o gosto

Tardes frias, triste Outono
Que tão depressa vieste
A predizer abandono
Às promessas que fizeste
Que tristeza tão agreste
Nos sonhos deste meu sono

E neste tremendo Inverno
Da minha eterna amargura
Cada dia é um inferno
Cada noite uma tortura
E o meu peito é sepultura
Deste recordar eterno

Lenda de Gaia

Lino Lobão / André Teixeira *balada de André Teixeira*
Repertório de Lino Lobão


Foi neste rio d’ouro pintado
Que ela fugiu do seu amado
Foi nesta margem
Que com coragem ele ancorou
E ali defronte, bem junto à fonte
A procurou

Esta medalha, prova de mágoa
Chegou a Gaia em bilha de água
E atraiçoado
Foi condenado por pouca sorte
Mas o Romeiro fez-se guerreiro
Vencendo a morte

Foi neste rio
Olhando a margem de olhar frio
Triste miragem
Foi esta espada
Que fez a amada, mulher perdida
E o amor findou, Gaia mirou
Perdendo a vida

Juntei búzios, juntei algas

Carlos Baleia / Arménio de Melo
Repertório de Margarida Soeiro


Juntei búzios, juntei algas
Farrapos de mar antigo
Juntei feridas quem tu salgas
Nas ondas que tu cavalgas
Sem nunca ouvires o que eu digo

Oceano sem descanso
Dança de ti, que é loucura
Bailado que sonhei manso
É tempestade onde avanço
Numa maré de procura

Parei na praia deserta
Beijada pela imensidão
E depois andei incerta
Procurando a porta aberta
Para o vento desta paixão

Não sei se acaso fui espuma
Ou gaivota fugidia
Ou se fui coisa nenhuma
Que se perdeu com a bruma
Na manhã que já partia

Sei que é no mar que te vejo
Que é com algas que te prendo
Sei que tu és meu desejo
Quando me entrego num beijo
Por razões que não entendo

Que me importa a mim a vida

Letra de Silva Tavares
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado
Arquivo de Nuno de Siqueira


Que me importa a mim a vida
Que Deus me quis conceder?
Sem o teu amor, querida
A Vida não é viver

Tornar os teus olhos baços
Sugar-te a boca escaldante
Ver-te rendida em meus braços
Eis o meu sonho constante

Ligar-te a mim de tal jeito
Que tivesse a sensação
De sentir bater no peito
Junto ao meu, teu coração

Aula de natação

Letra e música de Jorge Cruz
Repertório de Cristina Branco

Conheci-o a 10 de Maio
Na visita a Mira d’Aire
É o João, anunciou um amigo meu
Era o género desportista
Sorridente e educado
Fez questão de vir saudar-me
À entrada do Liceu

Perguntou no seu jeito embaraçado
Hoje às oito, passas lá no pavilhão?

Foi assim que dei por mim
Num cantinho da bancada de betão
Sozinha à espera do fim
Da aula de natação


Mal arranjou um bom emprego
E eu cheguei ao fim do curso
Ofereceu-me o anel de noivado
Assentámos na cidade
Um casal com dois rapazes
Por um ano de trabalho
20 dias no Algarve

E uma noite, ele lembrou-se esperançado
Era bom se os miúdos já nadassem no Verão

Quinze anos e um dia de casados
Assinámos no registo os papéis
Ele disse que se tinha apaixonado
O que eu disse, já não sei

Partilhámos os haveres
Para ele, a Passat

O time-sharing e um lote em Amiais
Para mim, o apartamento
A custódia dos rapazes
Rugas, varizes, duas hérnias discais

E um programa de hidroginástica
Fui lá hoje à primeira sessão

Cantiga, chegando-se

Vasco Lima Couto / João David Rosa *fado rosa*
Repertório de Jorge Baptista da Silva

Amor, amor, meu amor
Por que te encontro a chorar?
O tempo em que te esperei
Chegou nas ondas do mar

Meu amor, amor d’amor
Sou de ti como era dantes
O sonho que não te dei
Corta o fio dos amantes

Amor, amor, meu amor
Que é das cartas viajadas?
Que importa o que nós dissemos
Nas campinas devoradas

Meu amor, amor d’amor
Tens o teu olhar parado
Veio o vento das demoras
E o chão ficou alagado

Amor, amor, meu amor
Olha a terra semeada
Estou a lembrar-me de ti
Numa roseira aparada

Meu amor, amor d’amor
Que sou seu, se nos perdemos?
Vivi, por te amar distante
Morri no que não fizemos

Sinto saudades

Carlos Baleia / Arménio de Melo
Repertório de Nadine Brás


Deixaste-me um rasto de saudade
Que fala, que me fala longamente
Quando o tempo na sua impiedade
Me mostra, cruel, que estás ausente

Lançaste fora o que eu guardei
E o vento foi de ti, um aliado
Sem cuidar do muito que eu amei
Soprando o que em mim ficou gravado

E nas noites longas que suporto
Aguardo, febril, as madrugadas
Que o passado insiste em não estar morto
E sonha ternuras renovadas

Mas, pobre de mim, que tal loucura
Apenas me dá sentida dor
Sem que haja remédio que dê cura
Às saudades que tenho, meu amor

Caravela de Lisboa

Hermano da Câmara / Elpo di Lázaro *guitarra romana*
Repertório de Lino Lobão


Ai Lisboa, Lisboa, caravela de luar
Foi ali que eu nasci, foi ali que eu vivi
E aprendi a cantar
Ai Lisboa, Lisboa, caravela imortal
Com gaivotas na proa, vai passar Portugal

A guitarra portuguesa
Já correu o mundo inteiro
Dentro de uma caravela
Nos braços de um marinheiro
A guitarra portuguesa
Tem a graça de cigana
E um não sei quê de princesa
De uma princesa romana


Ai Lisboa, Lisboa, caravela de luar
Foi ali que afinal, avançou Portugal
À conquista do mar
Ai Lisboa, Lisboa, caravela de luz
Cada vela é uma tela com a cruz de Jesus

Diz lá se não é loucura

Letra de Jorge Rosa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


É loucura com certeza
A incerteza deste amor
Dás-me desgosto e tristeza
E eu dou-te tanto valor

Sabendo bem como abusas
Do meu afecto e carinho
Procuro as ruas que pisas
P’ra pisar o teu caminho

Ao deitar-me choro e juro
Nunca mais te procurar
E ao levantar-me procuro
Maneira de te encontrar

Atrás de ti passo a vida
Deixando ficar p’ra trás
Tanta coisa conseguida
Em troca do que não dás

Diz lá se não é loucura
Esta forma de gostar
Viver à tua procura
Com medo de te encontrar

A voz de dentro

Vasco Lima Couto / Alfredo Mendes *fado latino*
Repertorio de Jorge Baptista da Silva


De noite enquanto o sangue me renova
Este quase cansado movimento
Vou libertando o tempo dessa cova
Na angústia que é o ler-me em pensamento

Como não sei calar a voz de dentro
Prendo as mãos à raiz que ninguém chama
E esmagado no amor, no próprio centro
Sou o mundo irreal, dentro da cama

E os meus olhos fechados correm tudo
O que viram na terra já colhida
Este todo prazer que ficou mudo
E esta corrente a que inda chamo vida

Depois porque o astral fechou a porta
No fogo das estrelas me abandono
E enquanto roubo à dor a dor que importa
Vou subindo as escadas do meu sono

Eu e a outra

Francisco Radamanto / Casimiro Ramos
Repertório de Hermínia Silva

Já sei meu amor, já sei
Que a tal mulher te fugiu
Hoje andas num desvario
Sempre a correr atrás dela
Já sei meu amor, já sei
Com outro homem a vi
E tive pena de ti
Que tanto penas por ela

Andas perdido altas horas pela rua
Levas a noite a fumar e a beber
Falas sozinho daquela que foi tua
Sem conseguires esquecer
Andas louco sem saber e sem sentir
Que trazes contigo a chave duma porta
Que é desta que te perdoa e que anda morta
Para que a tornes a abrir?

Já sei meu amor, já sei
Como é triste esse penar
Mas quem me dera ocupar
Em teu peito o lugar dela

Já sei meu amor, já sei
Como essa dor faz doer
Pois por ti ando a sofrer
A dor que sofres por ela

Meio-dia

Vasco Lima Couto / Frutuoso França *fado jovita / moreninha*
Repertório de Jorge Baptista da Silva


Sonhada foi a vida em tão má hora
Que eu nem sequer me posso perdoar
Tudo em silêncio à minha volta… e agora
Que hei de eu fazer para cantar?

Tenho voz e pulmões e tenho alma
E um capricho poético no ar
Mas se a dúvida estraga a minha calma
Que hei de eu fazer para cantar?

Deus não me veio ver quando eu nasci
Deixou-me entregue a tudo e ao meu olhar
Mas se há mágoa no amor que já vivi
Que hei de eu fazer para cantar?

Amargurado coração que eu tenho
E que nem força tens para odiar…
Diz-me se podes, se é de ti que eu venho
Que hei de eu fazer para cantar?

Quadras do amor…

Da saudade, da melancolia
Autor: Silva Tavares
Do livro Quem Canta / 1923
Versos transcritos do livro editado pela 
Academia da Guitarra e do Fado

O nome, a honra e os bens
Tudo te dei, tudo é teu
O próprio amor que me tens
É o que sobra do meu

Foi no dia em que te vi
Que rezei p’la vez primeira
Crer em Deus e crer em ti
É crer da mesma maneira

’Inda hão-de nascer os sábios
Que digam por que razão
Um beijo dado nos lábios
Se sente no coração

Ao que sinto só por ti
Não sei que nome lhe dê
Só sei que nunca senti
Um tão doce não sei quê

Já que todos os meus bens
Se encerram no teu carinho
Por alma de quem lá tens
Não me deixes pobrezinho

Não te quis falar de amor
Por timidez fiquei mudo
Mas não pensei no pior
Os olhos disseram tudo

Quando o ciúme te assalta
Sê calmo: não há nenhuma
Onda do mar, por mais alta
Que não se desfaça em espuma

Já que me chamo Maria
E que um José me seduz
Menino que tenha um dia
Há-de chamar-se Jesus

Traçou Deus a minha sina
Nos teus olhos de cigana
E aquilo que Deus destina
Pode mais que a força humana

Só penso em ver se te vejo
Mas fujo se por ti passo
E faço o que não desejo
E desejo o que não faço

Se tu tens que me deixar
Deus eternize o meu sono
Mas que nem mesmo a sonhar
Eu sinta o teu abandono

O adeus mais a distância
Casaram contra vontade
Mas não foi tanta a inconstância
Que não nascesse a saudade

Não chores se se murmura
Porque sais quando anoitece
O luar é a luz mais pura
E só de noite aparece

Quem quer que sejas não fujas
Da mulher que se perdeu
Na lama das ruas sujas
Brilham os astros do céu

Antes ceguinho ficasse
Naquela maldita hora
Se em vez de ver-te cegasse
Sofria menos agora

Um não, é mais venenoso
Que os venenos mais certeiros
Antes um sim mentiroso
Que trinta nãos verdadeiros

Por alguém que vive longe
Lá nos céus, lá no sem-fim
Meu coração fez-se monge
E reza dentro de mim

Dentre os milhões de Marias
Tu és a dos meus encantos
Todos os dias são dias
Mas há também dias-santos

Quando beijares sê calma
Cada beijo, minha louca
É mais um pedaço d’alma
Que nos foge pela boca

Passo meus dias lembrando
O momento em que te vi
E adormeço em ti pensando
E acordo pensando em ti

A boca dos meus amores
É um canteiro fechado
As palavras são as flores
Desse canteiro encantado

Ninguém ama sem temer
Ninguém teme sem cuidar
Ninguém cuida sem sofrer
Ninguém sofre sem amar

Ecoam tristes e calmas
Arrastadas melodias
Paz nos montes, paz nas almas
Trindades… Avé-Marias

Um bem é breve tontura
Vertigem d’asa que passa
Conforme o tempo que dura
Vem logo o dobro em desgraça

O primeiro amor sentido
Pode ser o derradeiro
Mas o último nascido
É, sem dúvida, o primeiro

Há nomes que na verdade
São erros, crimes até
Eu sei duma Piedade
Que nem sabe o que isso é

Nosso amor, sempre crescente
Teve origem mais modesta
Da pequenina semente
Nasce o roble da floresta

Do povo, todas as trovas
São como os beijos d’amor
Sempre iguais, mas sempre novas
Na ternura e no sabor

Tenho um coração de lama
Que não consigo entender
Só quer a quem me não ama
Só ama a quem me não quer

O ciúme é qual serpente
Faz ninho no coração
E vive dentro da gente
Em constante agitação

Raparigas: dos poetas
Sempre é bom desconfiar
Do rio, as águas quietas
Tornam-se iradas no mar

Ser modesto e fazer bem
Ao pobre mais pobrezinho
Não custa nada a ninguém
E é ser Deus um bocadinho

O meu maior inimigo
Foi o dia em que te vi
Pois não me entendo contigo
Nem posso viver sem ti

Tanto te quero, que creio
Que mais ninguém quer assim…
E porque o creio, receio
Que não queiras crer em mim

Tomai tento, ó raparigas
Com cantigas ao luar
Ninguém se fia em cantigas
Que não acabe a chorar

Em frases d’amor ardente
Toda a gente é infeliz
Pois ninguém diz o que sente
Quando mais sente o que diz

Eu olhei e tu olhaste
Sorri, sorriste depois
Eu falei e tu falaste
Casei, casámos os dois

Dança das horas da vida

Vasco Lima Couto / José Marques *fado Natália*
Repertório de Jorge Baptista da Silva


As horas magoam muito
Por me serem inconstantes
Vou no caminho da vida
E trago a alma iludida
Nestes meus olhos distantes

Vou no caminho da vida
Olhos postos não sei onde
Não procuro a felicidade
Pois não é na minha idade
Que ela se vê ou se esconde

Nunca voltei para trás
Apesar de ter tentado
Por alguma confissão
Mas creio que é uma ilusão
Todo o meu caminho andado

Por isso as horas magoam
O tempo é luta perdida
E eu canto e sofro e murmuro
Sem saber o que procuro
Neste caminho da vida

Voz do coração

Rute Rita / João Ferreira Martins
Repertório de Rute Rita


Por mais que a vida me afaste
De um sentimento profundo
Não posso deixá-la… porém
Deixar que tudo se arraste
É temer ódio ao mundo
Na vida não ser ninguém

Quantas vezes foste embora
Assombrada e convencida
Que entre nós tudo morreu
Mas voltas a toda a hora
Remexendo a minha vida
E num lugar que era teu

Creio nas tuas mentiras
Falsa e caprichosa
Sopradas na ilusão
Não me arrefeces as feridas
Nesta boca mentirosa
Que me queima o coração

Podes troçar à vontade
Arruinar-me no teu lume
Até jogar-me ao desdém
Aceito esta verdade
Que renasce do ciúme
Do sofrer de uma mulher

Esperanças

Letra de Jorge Rosa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Já perdi o conto às horas
Que tenho esperado em vão
Já disse ao meu coração
Que bata mais devagar
Que não se canse a esperar
A ventura que não vem
Porque é que tu te demoras?
Se há uma razão, está bem!

Mas não encontro motivo
Para delongas tamanhas
O melhor é desistir
A não ser que ainda venhas
No amanhã que há-de vir

Fui ver o meu café de antigamente

Vasco Lima Couto / Amadeu Ramim *fado zeca*
Repertório de Jorge Baptista da Silva


Fui ver o meu café de antigamente
Que tem a mesma sombra ao pé do chão
E em cada voz deste café presente
Sinto a distância duma geração

A mesa ao canto, para ver melhor
Quem entrava ou saía do meu sonho
Tem quatro velhos que não desistiram
De interrogar a vida em que os suponho

Às vezes, uma frase ainda me lembra
O risco de sorrir à perdição
Mas Deus varreu o canto da cidade
E eu fico só ao canto da razão

Vim ver o meu café de antigamente
E só me achei no tempo que não vem
E olhando e vendo, quem não olho e vejo
Sinto que estou na pátria de ninguém

Nunca mais

Autor: Silva Tavares
Do livro *Sinceridade* 1936
Versos transcritos do livro editado pela 
Academia da Guitarra e do Fado

Não me peças que te conte
O que depois se passou
Não pode dar água a fonte
De que a nascente secou

Cada qual à sua vida
Recomeçar? coisa feia
Depois da tua partida
Quebrou-se a nossa cadeia

Que te importa o que me afronte
E o que aconteceu depois?
Fechou-se o nosso horizonte
Éramos um, somos dois

Armadilha

Letra e música de Sérgio Godinho
Repertório de Cristina Branco


Pus a pata na armadilha
Liberdade numa anilha
Passou logo a ser possível
Por incrível que pareça
Passou logo a ser possível

Contei dores peça a peça
Já nem conta o prejuízo
P’ra fazer o que é preciso
É fazer bem e depressa
Contei dores peça a peça

Ai de mim, ai de mim
Sonhei dormir ao teu lado
Tacão alto descalçado
Cabelo despenteado


Estou cansada da distância
Soube procurar a ânsia
Da haver vida noutro mundo
Quero regressar a casa
E dormir de sono fundo

A felicidade ronda
Por estranho que pareça
Coração desocupado
Sonhei dormir ao teu lado
Por tão estranho que pareça

Rematando, só diria
Que ainda choro e louvo o dia
Em que a pata na armadilha
Me fez presa e me fez solta
Sempre solta por magia

Vim de longe admirado

Vasco Lima Couto / Alberto Costa *fado dois tons*
Repertório de Jorge Batista da Silva

Vim de longe admirado
Num país que me prendia
Trazia o rosto marcado
Da tristeza que trazia

Cada poema era o rosto
Dessa total solidão
De ser jovem no sol posto
Ao canto dessa nação

Depois ao abrir-se o vento
Apressei a minha voz
E disse ao meu pensamento
Vou falar de todos nós

Falei, mas sozinho e triste
Ao ver que tudo morria
Que a verdade só existe
Na noite que traz o dia

E o dia que eu vejo agora
Não serve a minha canção
Quero ser povo na hora
Que não traga servidão

Amor fingido

Letra de Jorge Rosa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível

Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Às vezes chego a supor
Que é fantasia o teu querer
Se há amor no teu amor
Não o consigo entender


Cada vez mais me convenço
Que me tentas iludir
Não me queiras a fingir
Que amor fingido dispense;
Digo-te isto porque penso
Que me iludes por prazer
E não consigo entender
Se me tens algum amor;
Às vezes chego a supor
Que é fantasia o teu querer


Uma palavra, um sorriso
Duas juras e promessas
E é com outras e com essas
Que me dás volta ao juízo;
No amor tudo é preciso
Mas às vezes chego a crer
Que me fazes por prazer
Uma corte sem valor;
Se há amor no teu amor
Não o consigo entender


Abre o teu peito e de perto
Mostra-me o teu coração
Para eu saber ao certo
Se gostas de mim ou não

O maltês

George Moustaki / Joaquim Alberto
Repertório de João Casanova


Com meu aspecto de maltês
De cigano e português
No cabelo espalhado ao vento
Com os meus olhos a brilhar
Que me dão o ar de sonhar
Eu que estou quase sem alento

Com minhas mãos sem trabalhar
Que estão quase sempre a tocar
E que também têm roubado
Com minha boca que bebeu
Que beijou e que mordeu
Sem nunca a fome ter matado

Com meu aspecto de maltês
De emigrante e português
De ladrão e vagabundo
Com minha pele bem queimada
Pelo sol e p’la geada
E por tudo o que há no mundo

Com meu coração que sofreu
Que amou e que viveu
Tanto quanto foi capaz
Com minha alma que não tem
Nenhuma esperança em ver alguém
Que lhe diga: viva em paz

Com meu aspecto de maltês
De emigrante e português
De estrangeiro e de cigano
Eu virei, ó doce cativa
Õ irmão, ó fonte viva
Querer beber os teus vinte anos

E então serei o rei das gentes
Sonhador, adolescente
Como te agradar escolher
E em cada dia só o amor
Nos fará viver com ardor
Para sempre até morrer

Rossio

André Henriques / Filho da Mãe *Rui Carvalho*
Repertório de Cristina Branco

Deixo o lixo à porta
Varri com persistência
A pá deve estar torta
Gabo-lhe a paciência

Faço por não existir
Nem o reflexo no chão
É raro ver-me sorrir
Nem na foto do cartão

Folgam as costas, vêm os medos
Nas horas mortas, faço as contas

Calos nos dedos

Nem a sombra fica
No buraco que cavo
O suor cai em bica
Quase apaga o cigarro

Despejo os restos de ontem
A cidade sozinha
Veste-se com desdém
Desta luz que se avizinha

O comboio partiu
Quando chego à estação
Nem os pombos do Rossio
Sabem do meu coração

Atraso

Letra e música de João Paulo Esteves da Sila
Repertório de Ricardo Ribeiro


Baixa a luz, dá-me um beijo
Não quero ver os teus olhos frios
É o fim do desejo
E vai morrer o amor de frio

Não voa a andorinha
Gela-lhe o coração

Versos de amor

Mário de Sá Carneiro / José Marques do Amaral
Repertório de Lenita Gentil

Eu conheço uns olhos negros
Que brilham como diamantes
Cheguei-me para o pé deles
E fiquei tal como dantes

Eu conheço uns olhos verdes
Que alumiam cintilando
Já os tenho até beijado
Mas nunca os fiquei amando

Conheço uns olhos azuis
Como outros ‘inda não vi
Ferozes, belos… por eles
Jamais amor eu senti

Também conheço uns castanhos
Que são os da minha amada (a)
Bem vulgares, mas pelos quais
Minh’alma anda apaixonada

(a) Na versão da Lenita
“Que são os do meu amado”

Gesto perdido

Vasco Lima Couto / Armando Machado *fado licas*
Repertório de Jorge Baptista da Silva

Sou o gesto perdido no meu gesto
Que tem um coração que não se emenda
E se vos canto amor, o amor começa
A ser a triste voz da minha lenda

O que digo de mim cabe na mão
Do mundo inteiro que me escuta… o vento
Como um pássaro rouco e enamorado
Que morre por amar o pensamento

Eu sou o destruído sem caminho
Que se dói por mostrar a solidão
E por gritar o amor que ninguém tem
Dou-me inteiro a chorar nesta canção

Os mendigos

Mote de João da Mata / Glosa de Henrique Rego
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Mendigos esfarrapados
Sem conforto, sem guarida
São frutos abandonados
No grande pomar da vida

Caminhantes sem roteiro 
Exaustos, os pés em sangue
Arrastam a alma exangue 
Nas sendas do mundo inteiro;
Nem um pálido luzeiro 
De esperança aos deserdados
Lhes guia os passos cansados
Com uma esmola de luz;
São párias, filhos de nus
Mendigos esfarrapados

A desgraça que os venceu
Fê-los, por ’scárnio profundo
Senhores de todo o mundo 
Sem terem nada de seu;
Só pranto a sorte lhes deu 
Como herança fementida
À turba desprotegida
Que leprosa, vil, abjecta;
Pelo infindo orbe vegeta
Sem conforto, sem guarida

Quando os vejo em caravana
Pelos caminhos distantes
Parecem os mendicantes 
Rebanhos de espécie humana;
E como a sorte os irmana 
E todos são desgraçados
São fatalmente pisados
Até que lhes chegue a morte;
Pois na fruteira da sorte
São frutos abandonados

Frutos do chão sem valor
Sorvados, ninguém aceita
É por isso que o mundo enjeita
Do mendigo a cruel dor;
Como pode ter sabor 
E nos ser apetecida
A fruta que está caída
Poeirenta, suja, mesquinha;
Flores que a gente espezinha
No grande pomar da vida

Minha mãe foi cigarreira

Linhares Barbosa / Francisco Radamanto / Henrique Rego
Popular *fado menor*
Repertório de Filipe Pinto


Minha mãe foi cigarreira
E tinha um porte bizarro
‘inda vejo a sua imagem
No fumo do meu cigarro

A sua alma branquinha
Honesta, modesta e franca
Envolvia a minha alma
Como a mortalha mais branca

Coitadinha, já morreu
Que o amor de Deus lhe valha
Foi concerteza pró céu
Envolta em branca mortalha

Minha mãe, estrela perdida
‘inda vejo entre os abrolhos
Como se fosse envolvida
Na mortalha dos meus olhos

A noite caiu

Vasco Lima Couto / Joaquim Campos *fado vitória*
Repertório de Jorge Baptista da Silva


A noite caiu… e a vida
É uma ave escondida
Que canta sem ter razão
Cada aventura semeia
Nas pontes da lua cheia
Um fado no coração

Tentações de espaço e medo
Amarrados ao segredo
Que a meia luz compra e vende
No copo da mão parada
E nesse amor sem estrada
Que o próprio amor não entende

Horas dum sonho vazio
Sentado num tempo frio
Com gritos que são do mar
Por isso a paixão começa
Naquela nova promessa
Que se não pode encontrar

Minha sorte

Letra e música de Luís Severo
Repertório de Cristina Branco

Quis esquecer a minha dor
E não encarar a cor
Da verdade nua e crua
Quis fugir do teu amor
E à procura de melhor
Fui parar à tua rua

E à tua porta coisas belas
A espreitar pelas janelas
Que o calor lembrou à mágoa
Neste rio que ainda corre
Sobre a sede que não morre
Nem que beba toda a água

A minha sorte ilumina a madrugada
Se perco o norte em qualquer encruzilhada
Fica por perto e me faz sentir tão forte
Se deixar o peito aberto e cantar à minha sorte


Esta voz que por mim chama
Já não quer saber de fama
Nem engana o coração
Chora por mulher que ama
E no lugar vazio da cama
Só deitou a solidão

E se não há um tempo certo
P’ra fechar o peito aberto
Assentar, esperar a morte
Dou-me a cada recomeço
Se o reverso do seu preço
For ditando a minha sorte;
Numa força que me leva

Fui louco

Letra de Jorge Rosa
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado


Todos me chamavam louco
Pelo muito que te amei
Se foi muito, não achei
Confesso até que achei pouco

Sinto que merecias mais
Mais carinho, mais ternura
Quando o amor é de loucura
Nunca parece de mais

Gostei de ti, só por isso
Que me importava a doidice
E talvez ninguém sentisse
O nosso amor p’ra além disso

Meu amor, quanto daria
Para de novo viver
A doidice de te querer
Co’a loucura d’algum dia

Deixei-te p’ra ter juízo
Sem razão, p’ra ter razão
Agora o meu coração
Pressente esse prejuízo

Afinal o que vês em mim?

Nuno Prata / Peixe
Repertório de Cristina Branco


Abre a gaveta, e sem querer
Tropeça nos pés de uma carta esquecida
Em que lê; final o que é que vês em mim?
À ingrata pergunta
Nem sabe bem se deu resposta concreta
Isso hoje pouco importa
Não vale a pena resgatar… letra morta

Dentro da carta, além da pergunta
Um espelho e fotografias de alguém que sorri
Afinal o que é que vês em mim?
Constante, a pergunta ainda espera resposta
No verso da carta de esperar não se farta
É p’ra si razão de vida

Foi há quantos anos?
Nem dedos tem p’ra o contar
Deste acaso, há que apurar
Porque se dá e ao que vem

Fecha a gaveta, ausenta-se e atenta
Às fotos e ao espelho;
E de olhos nos olhos, lê:
Afinal o que é que vês em mim?

À data, a pergunta de novo se apresenta
Como ferida aberta:
Não pode não doer, não pode curar-se

Foi há tantos anos, é difícil aceitar
Esquece o tempo, faz por encerrar
Um passado avesso a passar

A resposta é perguntar:
Afinal, e tu... sim, em mim o que é que vias?

Abre a gaveta
Arruma o espelho, as fotos e a carta
Em que um dia alguém perguntou
Afinal o que é que vês em mim?

Saudade

Letra de Henrique Rego
Desconheço se esta letra foi gravada
Transcrevo-a na esperança de obter informação credível
Letra transcrita do livro editado pela Academia da Guitarra e do Fado

Quem inventou a saudade
Não soube bem o que fez
Fez a palavra mais triste
Que tem o amor português


Saudade, palavra santa
Quando a ouso pronunciar
Sai-me do peito a chorar
Sai-me a cantar da garganta;
Tem tanta doçura, tanta
A sua sonoridade
Que não existe, em verdade
Coração no meu país;
Que afirme que foi feliz
Quem inventou a saudade

O desconhecido autor
Desse verbo que respeito
Decerto que tinha o peito
Gotejando pranto e dor;
E na febre o amargor
Do seu enorme revés
É que ele inventou, talvez
Essa palavra sentida;
Como tinha a alma ferida
Não soube bem o que fez

Mas é certo, é evidente
Que nós saudades só temos
Do que foi grato e perdemos
Ou que de nós está ausente;
Portanto, quem sofre e sente
Nesta terra, aonde existe
A tristeza que fruíste
Peito meu, dirá, por certo;
Que esse vivente, decerto
Fez a palavra mais triste

Sem as saudades, quem vive?
Sem elas, quem é ditoso?
Se eu ’inda vivo saudoso
Das saudades que já tive?!
Saudade, tudo revive
Na sublime pequenez
Desta palavra que em vez
De dizer pena, tormento;
Diz o maior sentimento
Que tem o amor português

Carta a Lisboa

Óscar Martins Caro / Alfredo Correeiro *fado correeiro*
Repertório de Tony Quim


Lisboa vou escrever-te
Minhas saudades são tantas
Dos anos que te não vejo
Tenho vontade de ver-te
A ti e às tuas fragatas
A brincarem no teu Tejo

Ainda te lembras que eu tinha
Verdes anos e corria
Os becos mal-afamados
Da tua Alfama velhinha
Onde à noite me perdia
Na magia dos teus fados

E quando a aurora rompia
Os fadistas tresnoitadas
Das muralhas do Castelo
Rezavam p’la Mouraria
Cantando os mais belos fados
Que ela ouvia com desvelo

Os teus típicos pregões
Que nos lábios das varinas
Desciam da Madragoa
Enchiam os corações
Dos afanosos ardinas
Que te acordavam, Lisboa

Tudo em ti é cor e vida
Desde o azul do teu céu
Às tuas leviandades
Escreve-me, Lisboa querida
E manda-me um beijo teu
Para eu matar saudades

Borba

Letra e música de José da Câmara
Repertório do autor

Acorda bonita e formosa
Vaidosa por tudo o que faz
Serena e silenciosa
Acolhe o seu povo audaz

Paredes caiadas de branco
Passeios de beijar o chão
Cheirosa em cada recanto
A terra do meu coração

Ó Borba do meu Alentejo
Tens de sobejo sonhos para dar
Na fonte das bicas revejo
O aroma de um beijo roubado ao luar
Ó Borba tu trazes na mão
Toda a emoção que não se perdeu
Com fé rezo aquela oração
Com devoção a São Bartolomeu


As danças das oliveiras
Anunciam bom manjar
O vinho reflecte as pedreiras
E o queijo está quase a chegar

A tarde é levada p’lo vento
Deixando um aroma a romã
E Borba adormece ao relento
Na esperança de haver amanhã

Versos de pranto

A.C.Firmino / Armando Machado *fado súplica*
Repertório de Joana Almeida


Há coisas que as palavras, nunca dizem
Por mais bela que seja a poesia
E se algum dia, os versos me faltarem
Ao menos, que não me falte a melodia

Nem mil fados me darão, o que peço
Nem guitarras, vão-me acompanhar
Mas que seja neste fado, que eu confesso
Todo o amor, que eu tenho p’ra te dar

Perdi-me pelas ruas, mais belas
Em noites de chuva e de vento
Andei por entre becos e vielas
Mas só te encontrei no pensamento

Solto a minha voz, neste meu brado
Fazendo dos meus versos, o meu pranto
Saudades fazem de ti, o meu fado
E tenho-te na voz, porque te canto